"Monocórdico", "lúgubre", "um
anacronismo ambulante". Com tais adjetivos aplicados a seu desempenho
enquanto músico, parece incrível que ele tenha se tornado
objeto de adoração para tantas pessoas. A explicação
para o paradoxo pode estar na identificação do público
com a passividade romântica de suas canções. Quem
sabe até o mais importante não fosse tanto o que ele tinha
a dizer, mas o modo como expressava sua visão de mundo.
Antecipando a corrente dos "cantores-compositores" do início
dos 70 (Jackson Browne, James Taylor, Randy Newman etc.), Leonard Cohen
exibiu ironia e sofisticação narrativa capazes de rivalizar
com Bob Dylan. Curiosamente, sua profissionalização musical
fora tardia: Cohen contava 34 anos quando lançou o primeiro LP,
mas havia muito era respeitado no meio intelectual.
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Aliás, palavras e sons disputaram sua atenção desde
a adolescência. Aso 20, o jovem canadense cursou letras na universidade
McGuill e descobriu a poesia de Garcia Lorca ao mesmo tempo em que ingressara
num grupelho folk, The Buckskin Boys. Por sua vez, a estréia como
escritor (vide os livros Let Us Compare Mythologies e The Spice-Box Of Earth,
ambos de 55) coincidiram com as primeiras composições ao violão.
Se tivesse dependido apenas do aval da crítica literária,
é provável que Leonard Cohen jamais viesse a gravar. Em
66, o romance Beautiful Losers fez dele "a grande esperança
da literatura do Canadá". O redirecionamento da carreira veio
por acaso: um de seus "songbooks" chegou à cantora Judy
Collins, que, fascinada, incluiu a música "Suzanne" no
LP In My Life. Meses depois, ela o convidou para um show ao ar livre,
no Central Park de Nova York. Ali, Cohen revelou-se ao grande público
sem disfarces: tímido, vulnerável e dono de um fio de voz
que mal podia qualificá-lo como cantor.
Em janeiro de 68, cada uma destas características foi explorada
a seu favor no LP Songs Of Leonard Cohen. Na capa, o rosto tenso (fotografado
por ele mesmo através de uma câmera automática) parecia
anunciar a abordagem de temas incomuns para a época. Era o auge
do flower power, mas as canções de Cohen falavam de impulsos
conflitivos, tédio e violência espiritual. Mesmo quando o
assunto era amor, suas letras expunham um desespero latente. E, nos momentos
em que a autopiedade ameaçava pôr tudo a perder, ele surpreendia
o ouvinte atazanando-o com images de escalpos, afogamentos e navalhas...
Os LPs posteriores a Songs... não trouxeram grandes variações
de conteúdo. É aí que estão as melhores músicas
de Cohen, cujo caráter esparso surge realçado pelo approach
minimalista do produtor John Simoon. Voz e violão são os
elementos constantes em todas as faixas; vez por outra coadjuvados por
violinos ("So Long Marianne"), jews harp ("Hey, That's
No Way To Say Goodbye"), órgão ("Stories Of The
Street") e orquestra ("Suzanne").
Por ocasião de seu lançamento, houve quem o saudasse como
"a trilha ideal para se cortar os pulsos", mas as 71 semanas
consecutivas (!) em que permaneceu nas charts confirmaram a dimensão
maior da arte de Cohen.
Nos anos seguintes, o medo confesso de tocar ao vivo e a índole
reclusa impediram-no de consolidar a fama. Ainda assim, alguns membros
da geração pós-punk (Nick Cave, Clock DVA, Sisters
Of Mercy, Morrissey) redescobririam nele vários pontos de interseção.
Há pouco, por iniciativa de Christian Fevret (editor da revista
francesa Les Inrockuptibles), foi editado na Europa p CD I'm Your Fan,
no qual astros como Ian McCulloch, Pixies, John Cale e R.E.M. reinterpretaram
suas músicas. Um tributo em atraso, é verdade, mas que faz
jus ao talento de "Laughing Len".
Arthur G. Couto Duarte
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