Dead Can Dance
(Confira a discografia comentada ao final da página)

Por João Maia

Brendan Perry e Lisa Gerrard conheceram-se em Melbourne, na Austrália, numa altura em que ambos lutavam pela sobrevivência musical dando concertos em clubes locais. Lisa chegou mesmo a confessar que a dificuldade era muito grande, especialmente porque o público nem sempre estava aberto ao tipo de experiência musical que os seus concertos proporcionavam.
Desde que se encontraram pela primeira vez, a empatia entre ambos foi quase imediata, como explica Lisa: "Eu reconheci que ele era brilhante no momento em que o vi tocar. Brendan é extremamente inteligente, lúcido e tem uma fantástica abilidade de comunicar através da música". E foi em parte devido à inteligência musical de Brendan Perry que os Dead Can Dance seguiram pelos caminhos que hoje, mesmo após a sua separação, os tornam num grupo de culto, que conquistou uma legião de fãs pelo mundo inteiro. Segundo Lisa, "Brendan explorava todo o tipo de coisas. Era um percussionista e um antropologista de muitas musicalidades e eu estava bastante receptiva às suas descobertas".

Mas se grande parte da estrutura e textura musical do grupo era providenciada pelas descobertas de Brendan Perry, Lisa Gerrard providenciava a alma, a espiritualidade. Apesar de tocar alguns intrumentos, entre os quais o Yang T'chin, um dulcimer chinês com idade ancestral, a característica que a tornou famosa foi a sua voz magnífica. Ou melhor, não só a voz mas essencialmente a forma como a utiliza. "A minha voz é o meu principal instrumento", explica a cantora, "provavelmente considerar-me ia uma cantora, mas não acredito que o seja. Não sei se há palavras para descrever o que faço - eu emito sons. Eu dou expressão a algo em que acredito e se calhar é por causa disso que outros podem também acreditar".

Lisa não canta com a voz, mas sim com a alma. As palavras que entoa, na maior parte dos casos, não são em nenhuma língua conhecida, mas sim a tradução em sons dos seus sentimentos. E é impossível não nos deixarmos levar, seduzir, mesmerizar por esses sentimentos, por vezes imponentes e majestosos, por vezes sombrios e melancólicos, por vezes de uma beleza extraodinariamente delicada que é impossível traduzir por palavras.

Lisa e Brendan trabalharam inicialmente num restaurante libanês em Melbourne para conseguirem dinheiro para se mudarem para Londres, uma vez que se sentiam algo frustrados com a cena musical de Melbourne.
Essa ligação com uma cultura árabe, a juntar ao facto de Lisa ter crescido num bairro de emigrantes gregos e turcos, foi mais um contributo para moldar influências que os músicos souberam incorporar no seu trabalho.
Depois de conseguir dinheiro, o duo mudou-se para Londres, onde esperava que a aceitação fosse melhor, porém no início a sorte continuou sem lhes sorrir.
A certa altura conheceram Ivo Watts-Russel, líder de uma pequena produtora independente (4AD), a quem Brendan entregou uma demo. Apesar de ter gostado do que ouviu essencialmente pela originalidade, a verdade é que Ivo também não tinha recursos para apostar no duo.
No entanto um ano depois chamou-os e a partir dessa altura Lisa e Brendan começaram a trabalhar para a 4AD, onde se tornaram o grupo de maior sucesso.
Entre 1983 e 1998 os Dead Can Dance editaram oito discos, um dos quais gravado ao vivo. Desde a sua formação até à sua extinção, este duo percorreu diversos estilos e influências musicais, editando trabalhos muito diferentes entre si.
'Spiritchaser' havia de ser o último trabalho dos Dead Can Dance juntos. O duo voltou a juntar-se na Irlanda e começou inclusive a preparar um próximo trabalho, porém algumas pequenas divergências entre Lisa e Brendan impediram a sua continuidade como banda.
Desde então tanto um como o outro elemento têm estado bastante activos, embora Brendan tenha mantido desde aí um certo 'low profile', lançando apenas o álbum 'Eye of the Hunter' e dando inúmeros workshops dos instrumentos que domina. Ao invés, Lisa tem estado muito mais exposta desde então, por virtude da sua participação em algumas bandas sonoras.

Primeiro contribuiu com dois temas para o filme 'Heat' de Michael Mann. Depois juntou-se com outro australiano, o percussionista Pieter Bourke (dos Soma) para lançar o álbum 'Duality' e escrever a banda sonora do filme 'The Insider' também de Michael Mann. Essa banda sonora acabou por ser nomeada para um globo de ouro, mas foi com a banda sonora de 'Gladiator', filme de Ridley Scott (que venceu o óscar de melhor filme em 2001), composta de parceria com Hans Zimmer que atingiu mais notoriedade.
As palavras de Zimmer definem na perfeição Lisa: "quando ela está por perto, é bom que tenhamos material de gravação pronto, porque nunca se sabe que maravilhas a sua voz nos vi oferecer. Ela desperta sentimentos muito profundos".

Não se pode dizer que após a separação os Dead Can Dance deixaram de existir. Lisa e Brendan, nos seus trabalhos a solo, continuam a explorar novos caminhos tal como o faziam quando estavam juntos. E a influência que deixaram na música alterantiva será algo que pedurará sempre, para bem de quem gosta de apreciar boa música e não se deixa levar por preconceitos.



 

 

 

 

 

 

Discografia Comentada:

"Dead Can Dance", 1983
Em 1983 lançaram o seu primeiro disco 'Dead Can Dance', que incluia uma colecção de temas que tinham composto nos quatro anos anteriores. Este álbum tinha como capa uma máscara ritual da Nova Guiné que quase acabou por se tornar num logotipo para a banda. E já neste disco se notava a componente filosófica que acabou por moldar o trabalho que a banda apresentou em anos porteriores.
"Spleen & Ideal", 1984
No ano seguinte lançaram 'Spleen & Ideal', onde abandoram instrumentos como as guitarras a favor de outros como violoncelo e trombones. Segundo Brendan Perry, todo o disco se baseia numa ideia do século XIX na qual os elementos mais negros da natureza humana, como a inveja ou a intolerância, aparecem ligados com a noção de ideal, embora aparentemente estejam em contradição. Não é de estranhar, portanto, que as músicas abordassem temas como a verdade e a ilusão, ou a dúvida e a fé, e a procura incessante da perfeição, do ideal.
"Within the Realm of a Dying Sun", 1987
A partir daqui os Dead Can Dance comçaram finalmente a ter aceitação por parte do público e, depois de uma tour em 1986, lançaram o álbum 'Within the Realm of a Dying Sun' no ano seguinte. Este álbum, onde os músicos optaram por separar as responsabilidades ao nível da voz, cabendo a cada um cantar num conjunto de temas, é talvez um dos melhores que o duo produziu. Nele pontifica um dos mais adorados temas da banda, denominado 'Cantara'.
"The Serpent's Egg", 1988
Continuando a beber da influência da música do médio oriente, o grupo lançou depois 'The Serpent's Egg', um disco no qual foram abandonados os elementos românticos para dar lugar a temas mais atmosféricos. Foi assim que a indústria cinematográfica acabou por se aperceber do potencial da banda, e no fim de 1988 o duo compôs a sua primeira banda sonora para o filme 'El Nino de La Luna' do espanhol Agustin Villarongas.

"Aion", 1990
Em 1990, foi lançado 'Aion', o quinto álbum da banda, cujas influências eram marcadamente renascentistas, embora não fosse um revisitar desse período, mas sim uma exploração da forma como a música pode transcender o próprio tempo. O álbum continha instrumentos antigos, renascidos para o som dos Dead Can Dance, tal como a sanfona, bem como alguns elementos barrocos e cantos gregorianos.
"Into The Labyrinth", 1993
Seguidamente o duo escolheu um conjunto dos seus temas para figurarem numa colectânea, denominada 'A Passage in Time', e em Setembro de 1993 lançaram aquele que muitos consideram o melhor álbum dos Dead Can Dance, 'Into the Labyrinth'. Segundo Brendan Perry, "este é um álbum onde se nota um amor pela música primitiva do mundo, bem como por elementos naturais como por exemplo, a madeira, ou o canto de aves".
"Toward the Within", 1994
Em 1994 o grupo lançou o seu único álbum ao vivo 'Toward the Within' que, embora fosse uma gravação de um concerto, continha uma série de temas inéditos. Aliás, a este respeito, a opinião do produtor Ivo Watts-Russel é que "é uma pena que não tenham sido gravadas mais actuações ao vivo da banda. O seu trabalho não é representado em todo o seu potencial nos álbuns de estúdio, uma vez que muitas vezes o grupo escrevia canções propositadamente para os concertos".
"Spiritchaser", 1995
No ano seguinte o excesso de trabalho que o duo produzia levou-os a começarem cada um trabalhos a solo. Lisa lançou 'The Mirror Pool' ao passo que Brendan começou a compilar um conjunto de temas que anos depois haviam dar origem ao álbum 'The Eye of the Hunter'. Depois voltaram a juntar-se para produzir 'Spiritchaser' onde mais uma vez se desviaram das influências do seu último álbum para incorporarem novas influências, desta vez da América do Sul e da sua Austrália natal. Brendan diz que "neste álbum decidimos impor limites a nós próprios ao nível dos instrumentos. Começámos com uma báse puramente rítmica e desenvolvemos o resto a partir daí".


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